Como explicitar o processo de construção de uma música quando, para nós, esse processo está envolto em mistério?
O que determina a escolha de uma nota, uma harmonia, uma acentuação rítmica?
Cá por mim, vou ao depósito das memórias e pesco de lá umas coisas que fui coleccionando em experiências vividas a ouvir um Aimable a tocar acordeão, uma Brenda Lee a cantar I’m Sorry, o Teixeirinha numa telefonia de fundo, aos Domingos, a esparramar o som pelas bananeiras do meu avô lá pelo Ribeiro Seco, uns Beatles eufóricos, um piano, o do Óscar Peterson (que nos deixou neste último dia de Festa, como por cá se diz), um vilão a despicar em Ponta Delgada percutindo com o polegar um "Braguinha", a minha mãe na lida da casa a sussurrar um fado da Amália (Quatro paredes caiadas/E um cheirinho a alecrim…) o Zeca Afonso a aguçar umas notas contra a ditadura, o Ricardo Cunha da Comuna Singular, o Montes o Chico e o Rui Alves, no Jardim do Sol, o Borges o Humberto Fournier o Gualberto o Juvenal e o Luís Nunes pela parte do Jazz, o Habitat, o Xarabanda, o Banda d´Além e os Feiticeiros do Norte… o meu filho Miguel a executar uma peça aprendida no convívio da tuna lá da Terceira, o meu Paulo a "pizzicatar" o seu contrabaixo, os meus alunos lá pelo Núcleo de Música da Francisco Franco, e o convívio com a generosidade do corpo de actores da Contigo Teatro, que lá pelo palco do Imaculado, vão dando corpo à encantatória versão portuguesa da escritora Hélia Correia… de tudo isto e de tantas outras coisas é feita a música para esta peça.
De todo este tuti-frutti, sai um cozinhado, umas vezes em lume brando, outras vezes sobre a labareda, que se atira da ponta dos dedos… porque a mente comanda, mas o corpo tem impulsos que a razão nem sempre conhece.
Sei lá que mecanismos se desencadeiam na caixa negra que subjaz à minha música; uma cadência harmónica que tudo determina…uns tambores africanos que se impõem, ou uma melodia que se insinua, antes do adormecer.
A Maria José falou-me do Sonho de Shakespeare (e do seu); o Marco Mascarenhas referiu a sua intenção de trazer ao de cima uma expressão teatral que respeite o passado, piscando o olho ao presente e apontando para o futuro. Umas vezes, dizia-me ele, com aquela doçura da vogal aberta do Português do Brasil... "Estás a ver o Jesus Christ Superstar…". Outras vezes era… “Não é bem a Miss Saigon, mas tem qualquer coisa disso”…
Propus, então com base nessas premissas, uma música com padrões musicais que reflectem o mundo em que vivo; diverso, de contrastes, policromático, embora assente numa certa unidade.
A música para a peça de Shakespeare foi assim concebida, nesta amálgama de coisas de que são cozinhadas as nossas vidas. Uma gota de prazer aqui, um esgar de sofrimento mais adiante…uma balada de cunho amoroso, uma batida mais rebelde de sabor levemente hip hop/rap, um sincopado, aromatizado de jazz.
Também lá está a sonoridade de um ou outro soneto do dramaturgo inglês, de uma delicada avena medieval ou de um cistre, dos que se ouviam nas tabernas londrinas… mas disso não vou falar.
E que me perdoe o Marco, o próprio Shakespeare, porque um músico nem sempre sabe o que faz, ou o que diz…tal como o bis-bis, o nosso pequeno pássaro, do conhecido conto da tradição oral madeirense.
O que determina a escolha de uma nota, uma harmonia, uma acentuação rítmica?
Cá por mim, vou ao depósito das memórias e pesco de lá umas coisas que fui coleccionando em experiências vividas a ouvir um Aimable a tocar acordeão, uma Brenda Lee a cantar I’m Sorry, o Teixeirinha numa telefonia de fundo, aos Domingos, a esparramar o som pelas bananeiras do meu avô lá pelo Ribeiro Seco, uns Beatles eufóricos, um piano, o do Óscar Peterson (que nos deixou neste último dia de Festa, como por cá se diz), um vilão a despicar em Ponta Delgada percutindo com o polegar um "Braguinha", a minha mãe na lida da casa a sussurrar um fado da Amália (Quatro paredes caiadas/E um cheirinho a alecrim…) o Zeca Afonso a aguçar umas notas contra a ditadura, o Ricardo Cunha da Comuna Singular, o Montes o Chico e o Rui Alves, no Jardim do Sol, o Borges o Humberto Fournier o Gualberto o Juvenal e o Luís Nunes pela parte do Jazz, o Habitat, o Xarabanda, o Banda d´Além e os Feiticeiros do Norte… o meu filho Miguel a executar uma peça aprendida no convívio da tuna lá da Terceira, o meu Paulo a "pizzicatar" o seu contrabaixo, os meus alunos lá pelo Núcleo de Música da Francisco Franco, e o convívio com a generosidade do corpo de actores da Contigo Teatro, que lá pelo palco do Imaculado, vão dando corpo à encantatória versão portuguesa da escritora Hélia Correia… de tudo isto e de tantas outras coisas é feita a música para esta peça.
De todo este tuti-frutti, sai um cozinhado, umas vezes em lume brando, outras vezes sobre a labareda, que se atira da ponta dos dedos… porque a mente comanda, mas o corpo tem impulsos que a razão nem sempre conhece.
Sei lá que mecanismos se desencadeiam na caixa negra que subjaz à minha música; uma cadência harmónica que tudo determina…uns tambores africanos que se impõem, ou uma melodia que se insinua, antes do adormecer.
A Maria José falou-me do Sonho de Shakespeare (e do seu); o Marco Mascarenhas referiu a sua intenção de trazer ao de cima uma expressão teatral que respeite o passado, piscando o olho ao presente e apontando para o futuro. Umas vezes, dizia-me ele, com aquela doçura da vogal aberta do Português do Brasil... "Estás a ver o Jesus Christ Superstar…". Outras vezes era… “Não é bem a Miss Saigon, mas tem qualquer coisa disso”…
Propus, então com base nessas premissas, uma música com padrões musicais que reflectem o mundo em que vivo; diverso, de contrastes, policromático, embora assente numa certa unidade.
A música para a peça de Shakespeare foi assim concebida, nesta amálgama de coisas de que são cozinhadas as nossas vidas. Uma gota de prazer aqui, um esgar de sofrimento mais adiante…uma balada de cunho amoroso, uma batida mais rebelde de sabor levemente hip hop/rap, um sincopado, aromatizado de jazz.
Também lá está a sonoridade de um ou outro soneto do dramaturgo inglês, de uma delicada avena medieval ou de um cistre, dos que se ouviam nas tabernas londrinas… mas disso não vou falar.
E que me perdoe o Marco, o próprio Shakespeare, porque um músico nem sempre sabe o que faz, ou o que diz…tal como o bis-bis, o nosso pequeno pássaro, do conhecido conto da tradição oral madeirense.
Mário André
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