domingo, 28 de setembro de 2008

Passagens de Aragão


BATATAS. PESCOÇO. SALSA. ETC.

à mesa do restaurante a facilidade da revolução com granadas nos pratos. o Fagundes exaltou-se e empurrou a roupa: todo sujo de nomes e decorado de sustos. alguém gritou: a sopa está acesa e o estilo do universo não presta. o povo que diga. o povo que meta. entretanto
o Juca empernava com a Micas por baixo da mesa e bebia mais nuvens com cornos no copo. talvez mais manteiga. talvez mais pimenta. a Micas que diga. a Micas que meta. talvez mais salada. talvez mais armas. depois ela ardia uma sacana na testa.
a fome era muita. a revolução incerta. e repetimos as batatas e a maldade da metralhadora muito quente na travessa. e a gente insistia. o povo que diga. o povo que meta. então
pedimos mais guerrilha com azeitonas e cegas luas em lata. a certa altura
comi um país na ponta do garfo. porra era fácil e havia o direito! mas não quis mais santos decapitados nem assombros de vacas. em seguida
contei o meu tempero da revolução à malta. e pus o paraíso no pescoço cortado para não me sujar no retrato.
o povo que diga. o povo que meta.

E HAVIA OS BOIS DA BATALHA DE ALJUBERROTA COM A MÃE SATISFACTA À JANELA MORTA E O GAJO PATRIÓTICU SEMPRE A DESPIR A NOIVA SANTA. CLARO QUE TAMBÉM A MALTA COM OUTRA BANDEIRA DA PÁ!TRIA E O GRI GRI DO ASPIRADOR A CATAGRUAR A GRETA.

pronto: fiquei eterno de camisa e suspeito de salsa.


ANTÓNIO ARAGÃO
“in” Pátria.Couves.Deus.Etc

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Começaram os ensaios

Depois de várias leituras, de avaliações e análise dos perfis dos personagens, e das ideias definidas dos encenadores, finalmente começaram os ensaios para "Desastre Nu", o novo trabalho de palco da Companhia, inserido no mais vasto projecto (Re)Encontro com António Aragão.

Como habitualmente os ensaios realizam-se na Imaculado e continuarão até meados de Novembro com a subida em cena de todos os actores. Ficam para reconhecimento algumas fotos do primeiro ensaio.

(Fotos CT @ Todos os Direitos Reservados)

sábado, 13 de setembro de 2008

O legado de António Aragão

António Aragão (1921-2008) já partiu. Mas a sua passagem pelo mundo dos vivos deixou uma marca indelével.

Historiador, poeta, romancista, contista, dramaturgo e pintor, o seu legado persiste entre nós, pronto a ser descoberto e reencontrado.

Do vasto espólio de António Aragão, algumas das suas obras e artigos estão disponíveis na Biblioteca Municipal do Funchal (no Palácio de São Pedro, Rua da Moraria, nº 31, de 2ª a 6ª feira das 10h00 às 19h00).

A saber:

- Estabelecimentos culturais do Funchal, in Panorama: revista portuguesa de arte e turismo, nº. 9, 2ª. Série, Lisboa 1954. pp. [48-49].

- “António de Carvalhal Esmeralda «Aonio»: desconhecido e inspirado poeta madeirense que viveu na época de seiscentos: o mais antigo manuscrito de poesia insular que se conhece”, in Das artes e da História da Madeira, Funchal, Sociedade de Concertos da Madeira, 1964. pp. 33-35.

- “Alguns tópicos para a classificação urbanística da Madeira”, in Islenha, nº 9, Funchal, DRAC, Jul.-Dez.1991, pp. 21-31

- Pelourinhos da Madeira, Funchal, Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, 1959.

- O Museu da Quinta das Cruzes, Funchal, Junta Geral do Distrito Autónomo, 1970.

- A Madeira vista por estrangeiros: 1455-1700, Funchal, SRTC/DRAC, 1981.

- Para a história do Funchal: pequenos passos da sua memória, Funchal, SRTC/DRAC, 1979.

- Para a história do Funchal: 2ª. Edição revista e aumentada, Funchal, SRTC/DRAC, 1987

- Madeira: investigação bibliográfica, Funchal, Centro de Apoio de Ciências Históricas do Funchal, 1981 (co-autor com Gilda Dantas)

- As armas da Cidade do Funchal no curso de sua história, Funchal, SRTC/DRAC, 1984



- Um Buraco na Boca: romance, Funchal, Livros CF, 1971.

- Arquipélago: poesia, Funchal, Eco do Funchal, 1952.

- Desastre Nu: peça de teatro em quatro episódios, Lisboa, Ed. Moraes, 1981 (2º. Prémio do concurso de peças de teatro inéditas promovido pela Secretaria de Estado da Cultura).


Sites de Referência:
- Blog da Biblioteca Municipal do Funchal
- By The Way de César Figueiredo
- O Contrario do Tempo
- Passos na Calçada


domingo, 7 de setembro de 2008

« Um telegrama no ‘ecrã’, ao ralenti » III

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Numa folha fina (cuja textura poucos de nós lembrará, quase tão anacrónica como a dos aerogramas), o poeta cria um outro sentido – seu, manuscrito – sobre um suporte (um impresso comum por aqueles dias). Nas caixas pré-definidas (pelos ‘serviços’, naturalmente), em “destino” pode ler-se “mesmo”. Em “palavras” escreve-se “lavram palavras”. A “data” é “atada”. É um jogo de palavras, claro. Mas quantas palavras são? “Número”: “nu”. Talvez seja este o centro da questão, no fundo e no coração da experiência humana (entre o passado, o presente e o futuro) está a linguagem: a “hora de apresentação” é “H”, o “telefone” é “provisório”. O “texto e assinatura” endereçam-se a cada um de nós: “PRÉTERNURA PARATERNURA STOP”. Assinado: “TER NU TEU”. Assim ficou inscrito. Assim permanecerá, “TELEGRAMANDO”.

António Aragão é o poeta que nos ensina uma outra dimensão da linguagem, na letra e na forma de notícias em que se pode “dizer no mundo o amor de todas as coisas” ou na criação de um verbo (novo e nosso). Talvez seja (ainda) possível ‘telegramar’ para um outro de nós do outro lado de um qualquer ecrã ou tela e se possa, como se pede no poema, “repetir quantas vezes nos apetecer ou procurar cada vez mais outra maneira”: “ou porque corro o branco de me voltar para ti / na parte da cena de não te saber / ou então passo a fita ao ralenti para te sonhar” (Folhema 2, 1966). Olhe. Corte. Cole. Procure “cada vez mais uma outra maneira”. ‘Telegrame’. Assim vivem os poetas: “Paraternura”. Ao ‘ralenti’.

Por Diana Pimentel
dp@uma.pt
in Diário de Notícias, Funchal: Revista mais
24 a 30 de Agosto de 2008, pp. 18-19

« Um telegrama no ‘ecrã’, ao ralenti » II

Coladas, apagadas, riscadas, manuscritas, assim tomam lugar as palavras no papel. É um texto e um é desenho. Aqui a leitura é um exercício, uma tentativa (experimental, claro) que pede de nós, leitores, um lento mover do olhar e da atenção. Escolhamos alguns fragmentos (pode ‘recortar’ os seus com a ajuda de uma caneta… experimente, na ilustração encontrará uma forma de consentimento para este ‘delito’: “PARA MEXER”). Leio: “Uma vida que se pode dizer longa é imposta quotidianamente a pressões diferentes”. É um facto. Uma notícia inelutável.

Mas onde está a poesia? Dilua agora a atenção e distancie um pouco o olhar.

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Em letras maiores, separadas e distantes: “REVELA-SE EM DIZER NO MUNDO O AMOR DE TODAS AS COISAS” (encontrou?).

Na verdade, este não é um mas vários poemas, que “permite várias leituras, i.e., faz com que apareçam diversos poemas dentro do mesmo poema ou um poema ligado a outro ou uma outra poesia conseguida por diferentes articulações” (Poesia Experimental 1). Esse era o desejo do poeta, que se pudesse encontrar “a poesia encontrada desprevenidamente no que lemos todos os dias”, com a “colaboração do fruidor” (Poesia Experimental 1). Recriar, relendo, sublinhando e desenhando. Quase a brincar, porque para Aragão “a poesia deve ser tomada por todos os sentidos” como um “jogo encantatório” (Visopoemas, 1965).

Assim se parecia operar aquele efeito especial da linguagem, da poesia, encontrada como se diluída no desenho de um mapa de uma cidade estrangeira (quase ilegível), um lugar encontrado por entre jornais, telegramas, folhetos, anúncios, em qualquer uma das matérias comuns da vida. “Táctil”.

Nos dias deste novo século, entre e-mails e portais, onde pousaremos lápis e canetas? Escrevemos por ‘correio electrónico’ (imaterial, sem peso ou matéria, que dispensa uma caixa de madeira) e já pouco nos lembramos do cavalo e do mensageiro dos CTT nos envelopes, que hoje cedeu lugar às cores da prioridade da correspondência (azul, verde). Vermelhos só os marcos do correio (lugares a que pouco frequentemente entregamos palavras).

In memoriam, recordemos, com Aragão, um telegrama. “TELEGRAMANDO” (Suplemento Especial do Jornal do Fundão, 24/01/1965).


(continua)

Por Diana Pimentel
dp@uma.pt
in Diário de Notícias, Funchal: Revista mais
24 a 30 de Agosto de 2008, pp. 18-19

sábado, 6 de setembro de 2008

« Um telegrama no ‘ecrã’, ao ralenti »

1964-1966. Em maiúsculas e em minúsculas, em letra manuscrita ou de imprensa. Com cola Cisne, tesoura, canetas e marcadores (também a cores) e fragmentos dos jornais, palavras e imagens dos dias (alguns ainda comuns aos nossos tempos), pelo acaso e a favor do imprevisto, assim se fez (e talvez, quem sabe?, continue a acontecer) a Poesia Experimental. Mais do que um movimento, este parece ter sido um acontecimento que ainda hoje nos permite perguntar de que matéria e para que efeito se faz poesia (ou arte) e, sobretudo, como (e onde) nos toca (se a olhamos).

No primeiro volume da revista Poesia Experimental, que teve organização de António Aragão e de Herberto Helder, editado em Lisboa no mês de Abril de 1964, escrevia António Aragão: “E, agora, nos nossos dias, [a poesia] foi arrebatada pelos sentidos: poesia visual, auditiva e táctil. Fez-se também respiratória.” Serão estes ainda os nossos dias? No mesmo volume, acrescentava Herberto Helder: “A superação do caos exprime-se pelo encontro de uma linguagem. É na linguagem que a experiência se vai tornando real. Sem ela não há uma efectiva imagem do mundo”.

Quarenta anos depois, como se nos revela esta ‘imagem do mundo’? De que se faz a nossa experiência? Lembremo-nos dos nossos ecrãs (o da televisão, o do computador) que nos devolvem factos quotidianos (vídeos, textos, imagens, um sem número de ‘janelas’ abertas sobre o mundo): estamos perante rodapés em sentido inverso ao da nossa leitura, (tantas) imagens em sobre-exposição, um rosto que nos olha (de frente, como se nos conseguisse observar), um fundo sonoro que (pouco) se assemelha a uma ordenação de freses e de factos (de que nos lembramos quando acaba?). O que reteremos deste (caótico) presente (que entretanto passou)? Uma imagem (quase) desfocada, demasiado veloz, o mundo numa tela contínua que a nossa memória não guarda. Sim, os sentidos são-nos “arrebatados”, como há quatro décadas anteviu António Aragão. Deste nosso ponto de vista (o “caos” olhado por Herberto) parece faltar-nos memória, linguagem, mundo, prazer (a poesia?). “Táctil”, escreveu.

Mas onde a encontrar? A solução parece ser-nos dada pelo próprio poeta, precisamente no primeiro número da revista Poesia Experimental. Nesse volume são editados dois “casos” a que o poeta chamou “Poesia encontrada”, construídos a partir de notícias de jornal: os poemas (como explica o poeta e artista plástico, ofícios sobretudo aqui inseparáveis) “foram tomados de improviso na descoberta do olhar”. Olhemos o segundo deles.

(continua)

Por Diana Pimentel
dp@uma.pt
in Diário de Notícias, Funchal: Revista mais
24 a 30 de Agosto de 2008, pp. 18-19


sexta-feira, 5 de setembro de 2008

'Arte Com Vinho Madeira'

“Reservatório de Memórias” por Rita Rodrigues
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Desde ontem que decorre no Funchal uma iniciativa de promoção do Vinho Madeira. Integrada no programa da 'Festa do Vinho', pretende difundir a diversidade e qualidade deste produto regional junto de madeirenses e turistas.

A responsabilidade é do Instituto do Vinho, do Bordado e do Artesanato da Madeira (IVBAM) e, entre outras iniciativas, inclui provas de 'Madeira' num espaço decorado a rigor com peças vitivinícolas e objectos etnográficos da região, bem como um espaço desafio aos artistas regionais intitulado 'Arte Com Vinho Madeira'. Assim, na placa central da Avenida Arriaga, em frente ao Jardim Municipal, mais de uma dezena de reconhecidos artistas madeirenses expõem as suas obras de arte inspiradas em barris de vinho.

Deste elenco, faz parte a artista plástica Rita Rodrigues, amiga e colaboradora da Companhia, com o seu trabalho “Reservatório de Memórias”, que, nas palavras da Autora remonta "à prosperidade económica da Ilha da Madeira quando o vinho era de facto a principal fonte de riqueza da economia madeirense."

"Aqui fica uma PIPA, corpo físico, como símbolo do passado assente numa economia agrícola e próspera. Envolve a pipa um UMBIGO e no seu oposto composicional uma PORTA: a primeira forma reporta-se à ligação umbilical do homem à terra (à vida), e a segunda, à entrada e saída dos homens, nacionais e estrangeiros, que chegaram (e chegam) e partiram (e partem), sempre em torno de uma forma redonda que obriga o retorno ao lugar de origem – à ilha (e à MULHER) que acolhe e abraça a história das gentes e dos lugares", pode se ler na memória descritiva do seu trabalho.

Está em exibição até ao próximo domingo, dia 7 de Setembro.