domingo, 7 de setembro de 2008

« Um telegrama no ‘ecrã’, ao ralenti » II

Coladas, apagadas, riscadas, manuscritas, assim tomam lugar as palavras no papel. É um texto e um é desenho. Aqui a leitura é um exercício, uma tentativa (experimental, claro) que pede de nós, leitores, um lento mover do olhar e da atenção. Escolhamos alguns fragmentos (pode ‘recortar’ os seus com a ajuda de uma caneta… experimente, na ilustração encontrará uma forma de consentimento para este ‘delito’: “PARA MEXER”). Leio: “Uma vida que se pode dizer longa é imposta quotidianamente a pressões diferentes”. É um facto. Uma notícia inelutável.

Mas onde está a poesia? Dilua agora a atenção e distancie um pouco o olhar.

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Em letras maiores, separadas e distantes: “REVELA-SE EM DIZER NO MUNDO O AMOR DE TODAS AS COISAS” (encontrou?).

Na verdade, este não é um mas vários poemas, que “permite várias leituras, i.e., faz com que apareçam diversos poemas dentro do mesmo poema ou um poema ligado a outro ou uma outra poesia conseguida por diferentes articulações” (Poesia Experimental 1). Esse era o desejo do poeta, que se pudesse encontrar “a poesia encontrada desprevenidamente no que lemos todos os dias”, com a “colaboração do fruidor” (Poesia Experimental 1). Recriar, relendo, sublinhando e desenhando. Quase a brincar, porque para Aragão “a poesia deve ser tomada por todos os sentidos” como um “jogo encantatório” (Visopoemas, 1965).

Assim se parecia operar aquele efeito especial da linguagem, da poesia, encontrada como se diluída no desenho de um mapa de uma cidade estrangeira (quase ilegível), um lugar encontrado por entre jornais, telegramas, folhetos, anúncios, em qualquer uma das matérias comuns da vida. “Táctil”.

Nos dias deste novo século, entre e-mails e portais, onde pousaremos lápis e canetas? Escrevemos por ‘correio electrónico’ (imaterial, sem peso ou matéria, que dispensa uma caixa de madeira) e já pouco nos lembramos do cavalo e do mensageiro dos CTT nos envelopes, que hoje cedeu lugar às cores da prioridade da correspondência (azul, verde). Vermelhos só os marcos do correio (lugares a que pouco frequentemente entregamos palavras).

In memoriam, recordemos, com Aragão, um telegrama. “TELEGRAMANDO” (Suplemento Especial do Jornal do Fundão, 24/01/1965).


(continua)

Por Diana Pimentel
dp@uma.pt
in Diário de Notícias, Funchal: Revista mais
24 a 30 de Agosto de 2008, pp. 18-19

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