domingo, 7 de setembro de 2008

« Um telegrama no ‘ecrã’, ao ralenti » III

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Numa folha fina (cuja textura poucos de nós lembrará, quase tão anacrónica como a dos aerogramas), o poeta cria um outro sentido – seu, manuscrito – sobre um suporte (um impresso comum por aqueles dias). Nas caixas pré-definidas (pelos ‘serviços’, naturalmente), em “destino” pode ler-se “mesmo”. Em “palavras” escreve-se “lavram palavras”. A “data” é “atada”. É um jogo de palavras, claro. Mas quantas palavras são? “Número”: “nu”. Talvez seja este o centro da questão, no fundo e no coração da experiência humana (entre o passado, o presente e o futuro) está a linguagem: a “hora de apresentação” é “H”, o “telefone” é “provisório”. O “texto e assinatura” endereçam-se a cada um de nós: “PRÉTERNURA PARATERNURA STOP”. Assinado: “TER NU TEU”. Assim ficou inscrito. Assim permanecerá, “TELEGRAMANDO”.

António Aragão é o poeta que nos ensina uma outra dimensão da linguagem, na letra e na forma de notícias em que se pode “dizer no mundo o amor de todas as coisas” ou na criação de um verbo (novo e nosso). Talvez seja (ainda) possível ‘telegramar’ para um outro de nós do outro lado de um qualquer ecrã ou tela e se possa, como se pede no poema, “repetir quantas vezes nos apetecer ou procurar cada vez mais outra maneira”: “ou porque corro o branco de me voltar para ti / na parte da cena de não te saber / ou então passo a fita ao ralenti para te sonhar” (Folhema 2, 1966). Olhe. Corte. Cole. Procure “cada vez mais uma outra maneira”. ‘Telegrame’. Assim vivem os poetas: “Paraternura”. Ao ‘ralenti’.

Por Diana Pimentel
dp@uma.pt
in Diário de Notícias, Funchal: Revista mais
24 a 30 de Agosto de 2008, pp. 18-19

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