terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Diário do Encenador - Última Página

12/02/08

“… Estamos quase lá…”

Caríssimo Diário perdoe-me, descurei-me de ti.

Na verdade, eu não tinha muito o que escrever e, se o fizesse, tornar-me-ia repetitivo em alguns assuntos pessoais e observações cénicas.

Os ensaios entraram numa outra fase, a do “agora ou nunca”. Os meus queridos actores estão cada vez mais seguros, mas ainda há regressões perigosas que só acontecem por falta de concentração e disciplina.

O Ritmo, finalmente, começa a ficar bom. Temos que estar muito “afinados” e seguros, pois só teremos dois parcos dias para a montagem do cenário, das luzes e demais equipamentos, e ainda, adaptar as entradas e saídas dos actores e bailarinas ao espaço… Essa situação lembra-me as minhas digressões, quando chego numa cidade, os técnicos preparam tudo desde cedo e, à noite, no mesmo dia, o espectáculo é feito... só que agora com uma diferença agravante: o espectáculo ainda não estreou…

Realmente, não se pode ter tudo. Sempre sonho em grande, para depois adaptar as coisas à realidade. É uma característica minha, e creio, de muitos encenadores também, pois concretizamos imagens mentais como um pintor quando pega nos pincéis, mistura as tintas e descreve numa tela em branco os seus sentimentos e emoções através das cores. A única diferença entre o artista pintor e o artista encenador é que, este último, trabalha com várias equipas que devem ser geridas ao seu contento. Neste espectáculo, tenho certeza de que cheguei muito próximo das imagens que mentalmente desenhei com o apoio dessas pessoas maravilhosas, ricas em talento artístico. E desprovido de quaisquer sentimentos decepcionantes, eu sigo em frente.

Quanto a ligação pessoal com as equipas de trabalho, elenco, técnicos e produção, a aprecio com carinho, pois na Madeira, com esse grupo, e acredito, também, que aconteça com outros grupos de cá, um encenador não pode agir de forma calculista, com a objectiva “frieza” profissional – característica normalmente aceitável no mundo das artes cénicas – que visa, sem rodeios, a obtenção do produto final, quando são dadas as directrizes aos actores, técnicos e demais profissionais envolvidos num mesmo projecto, todos devem executar as tarefas com a eficácia e “precisão cirúrgica”.

Acho piada, neste trabalho, que tudo “funciona” como se fosse uma grande família, ou seja, com algumas divergências de opiniões, algumas intromissões aqui e acolá, alguns distantes silêncios, e até algumas lágrimas deitadas pelos mais sensíveis... tadinhos..., mas acima de tudo, uma grande cumplicidade e ajuda mútua para atingir um único objectivo. Tenho um carinho especial por cada um e sinto que isso é recíproco. É claro que às vezes uma certa indisciplina teve de ser travada com um grito ou outro. Nesses desagradáveis e inevitáveis momentos, cheguei a sentir-me como um pai que corrige os desmedidos arroubos energéticos de um filho adolescente. Mas nada de grave que não tornasse a compor rapidamente no seu devido lugar… Meu Deus, obrigado pelas bênçãos recebidas… É impossível não me apaixonar!

E agora meus amados amigos, o momento é de atenção, de concentração e de deixar-se levar, adentro, pelo mundo da ficção.

Meu nobre público e amigos leitores desse “Diário do Encenador” que acompanharam religiosamente meus "desabafos cénicos” durante este processo, o meu muito obrigado pelas mensagens de apoio e carinho, mas agora tenho de calar-me e, entre uma tisana e outra, caminhar com as energias voltadas para a estreia.

E para os amigos que vem do continente especialmente para assistir a mais um espectáculo sob minha batuta… Nesse caso, é mais uma varinha de condão… hehehe… do feiticeiro… um carinhoso beijo.

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